Percursos

Confortavelmente sentado num banco de um Intercidades (obrigado CP!), porque esta nova realidade assim o permite e, depois de me ter reclinado durante sensivelmente 30 minutos numa das «cómodas» plataformas de uma estação perdida no tempo (não tão agradecido desta vez), e com o pôr-do-sol a animar o horizonte ao longe, surge o momento ideal para a minha primeira crónica que, sem surpresa alguma, pelo menos para mim, resume a minha última semana num recanto de Portugal, por muitos esquecido, mas que aos poucos se revela uma alternativa mais agradável às naturais enchentes que assombram a época de lazer. 

Conhecer o interior profundo de Portugal é embarcar numa aventura cujos únicos intervenientes somos nós próprios e os nossos limites, tanto físicos como psicológicos, e ainda a natureza envolvente, que nem sempre joga a nosso favor. Além disso, conhecer locais perdidos no tempo e quiçá, no espaço, exige alguma resiliência aliada a uma confiança que nem sempre nos é sugerida ao longo dos trilhos.

Apresento-vos, assim, a região designada por Geoparque de Arouca, reconhecida há mais de dez anos pela UNESCO como Património Geológico da Humanidade, e vulgarmente associada aos seus Passadiços do Paiva, inaugurados no ano de 2015, mas que tem muito mais para oferecer. 

São várias as duras provas de resistência, entre elas as caminhadas pelos vales que nos levam a cascatas, lagos ou aldeias remotas, que requerem alguns dias por via a melhor distribuir o cansaço acumulado. É claro que a definição de cansaço é variável consoante a capacidade de resistência de cada um, porém é igualmente verdade que os locais posteriormente mencionados devem ser aprofundados e não apenas superficialmente vistos.

Começando por mencionar os famosos Passadiços do Paiva, distinguidos já quatro vezes pelos World Travel Awards, consistem num percurso de 8 km entre as praias fluviais de Areinho e Espiunca, existindo várias modalidades para quem os quiser visitar, desde a tradicional caminhada a uma estadia na conhecida Praia Fluvial do Vau (sensivelmente a metade do percurso pedestre), onde se poderá entrar sem qualquer custo associado. De realçar que é prevista a conclusão da construção da maior ponte suspensa do mundo ainda este ano. Para qualquer informação mais pormenorizada sobre o percurso e pormenores de visita, recomendações gerais de saúde ou aquisição de bilhetes, poderá ser consultado o site oficial: http://www.passadicosdopaiva.pt/

A estadia neste geoparque permite também dedicar alguns dias à sedutora Serra da Freita e suas atrações, cujo roteiro automóvel me faz lembrar em certa medida os Picos da Europa, célebre zona protegida do Norte de Espanha, resumindo-se a muito mais que o encontro com animais que circulam livremente nas vias. A conhecida Cascata da Frecha da Mizarela é um roteiro [PR7] indispensável a quem procura (e tem confiança) em realizar uma espécie de escalada pelas escarpas da conhecida cascata. Os pequenos lagos e cascatas naturais no final do percurso compensam o exigente percurso. Em alternativa, o parque fluvial de Albergaria da Serra, a escassos quilómetros do conhecido miradouro onde se pode visionar ao longe a cascata, justifica também uma paragem; também o centro de interpretação das Pedras Parideiras é outra possível paragem para os mais interessados no incrível fenómeno geológico deste tipo de pedras que brotam de uma rocha-mãe.

Além disso a visita a esta serra deve ser encarada como uma oportunidade única, em especial relevância para as gerações mais jovens, de conhecer e conviver com aquele que foi o passado e que, em alguns casos, representa a ruralidade de alguns locais do nosso país. A visita à remota aldeia de Drave, tendo como ponto de partida a aldeia de Regoufe [PR14] servirá esse propósito da melhor forma. Chegar à aldeia de Regoufe e ao início do percurso, por via de estreitas vias por entre a serra é por si só uma aventura. O percurso até Drave tem uma distância aproximada de 4km e só pode ser realizado a pé, uma vez que a remota aldeia não tem qualquer outra forma de acesso. Sem surpresa alguma, esta aldeia encontra-se inabitada desde o ano de 2009, não possuindo algumas das comodidades básicas tais como a eletricidade, água canalisada, gás, correio. No entanto, engane-se quem considera não existir vida neste local. A aldeia xistosa de Drave é Base Nacional da IV Secção do Corpo Nacional de Escutas e é ainda um local onde é proporcionado o convívio puro com a natureza, tanto na flora como na fauna existentes. As piscinas e cascatas naturais são a principal atração. Existem também espaços destinados a piqueniques, daí que seja recomendável que se leve uma farta merenda e líquidos suficientes a fim de desfrutar de um memorável dia nesta aldeia.

Injusto seria da minha parte não fazer referência à vila de Arouca, centro de todo este encanto natural, que justifica uma estadia por variadíssimas razões, dentro das quais o seu património cultural e a sua gastronomia.

De referir que, neste momento, existem no total 14 percursos ativos no Geoparque. Não ocorrendo a possibilidade de visitar ou mencionar cada um deles, deixo o link onde poderão ser consultadas todas as informações consideradas pertinentes: http://aroucageopark.pt/pt/explorar/o-que-fazer/percursos-pedestres/

Engane-se quem considerar que este é um interior desconectado com o litoral português. Arouca (vila) localiza-se a 1 hora da cidade do Porto e os acessos são bons. Apraze-me comparar, no bom sentido, este mágico canto de Portugal com o vale por muitos considerado o mais isolado (devido à sua localização geográfica) da ilha da Madeira, apelidado de Curral das Freiras, pelo simples facto de serem dois locais onde se pode cultivar alguma paz de espírito a uma curta distância das metrópoles. Na ótica de um residente do Curral das Freiras, que tive a oportunidade de abordar aquando da minha visita a esta aldeia, a denominação de “isolada” nunca poderia corresponder a um território em quase nada distante da cidade mais envolvente do território (30 minutos distante do Funchal). Numa perspetiva que, para os interessados pela área geográfica tal como eu, nos leva a questionar os conceitos-base que aprendemos na escola. Em verdade, Arouca e as suas paisagens provam ser exatamente o escape de verão necessário num dos anos mais atípicos das nossas vidas.

 

Diogo Nunes

Aluno de 3°ano de Economia na NOVA SBE e membro da AIESEC, estando atualmente responsável pela área de Relações Externas. Interesses: Línguas e Culturas (atualmente a aprender alemão), Geopolítica, Economia Global e Comunicação. Encontra-se atualmente inserido num projeto de Young Environmental Journalists pela UNDP em parceria com a Naturvårdsverket (Agência Sueca de Proteção Ambiental).

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