Começo a redigir este texto ao minuto 46 da minha espera para efetivar o voto antecipado em mobilidade, que pedi há 7 dias. Altura, portanto, bastante propícia para sumarizar a reflexão num breve comentário à estratégia e adequação (ou não) da mensagem ao público alvo, evidenciada nos debates televisivos dos candidatos às presidenciais de 2021.
Ana Gomes
Começo com Ana Gomes, candidata a quem as sondagens colocam a maior percentagem de votos a seguir ao atual presidente.
Com o objetivo de apelar ao voto de esquerda, socialista e centro-esquerda, tem uma missão dificultada por não contar com o apoio oficial do partido do qual é militante. Ainda assim, com uma longa experiência política, presença regular na televisão, veterania em diplomacia, e menor “cegueira partidária” que outros candidatos à esquerda é, provavelmente, a candidata capaz de reunir maior consenso (leia-se, número de votos) neste lado do quadrante político.
A faceta mais visível desse trabalho eficaz foi na definição da estratégia dos debates à esquerda, onde seguiu uma mesma receita: primeiro aproximou-se da posição do outro candidato (defesa do SNS, defesa dos direitos dos trabalhadores, justiça social, etc.). Depois destacou-se, apelando a um público mais vasto (administração transparente, justiça mais eficaz, presença europeia, etc.), vincando as diferenças para os outros candidatos.
Na verdade, considero que o seu principal erro foi não ter feito exatamente o mesmo no debate com Marcelo, pois aproximar-se-ia aos eleitores do centro. Pelo contrário, preferiu adotar uma posição sempre ofensiva, o que a levou a afastar-se da posição mais consensual e/ou moderada – e, portanto, menos ao centro.
Nos debates à direita, aproveita para frisar divergências programáticas e/ou ideológicas – o que é coerente com a sua posição ética e noção de certo ou errado. Alternativamente, creio que poderia ter aproveitado a sua vasta experiência para, diplomaticamente, explicar as razões pelas quais o seu programa é o que se adequa à maioria dos portugueses, em detrimento de outros.
Marcelo Rebelo de Sousa
Aproveito a menção anterior para passar a análise para Marcelo Rebelo de Sousa.
Acredito que Marcelo Rebelo de Sousa foi o candidato que melhores prestações evidenciou pois, apesar de se encontrar na desvantajosa posição de debate de ser o atual presidente (o que impede promessas sobre “mudar radicalmente o sistema”), conseguiu manter a coerência fazendo do seu escudo a sua arma mais eficaz: garantir, acima de tudo, a estabilidade política e governativa.
Destaco um pormenor que realça a estratégia de busca pelo consenso e moderação: em todos os debates – independentemente da ordem de intervenções ou da questão colocada – iniciou com um elogio ao adversário e ao seu papel na vida política, civil, trabalho ou causas sociais. Sendo que passou mais tempo a defender que a atacar, em todas as justificações que prestou, fica latente o sentido de coerência com a estabilidade governativa.
Nos ocasionais ataques que fez, a estratégia também passou por explicar porque é que a solução proposta pelo seu adversário não serviria para um PR de todos os portugueses. Destaco ainda a simplicidade e eficácia com que se apresentou nos debates pois, apesar de ter ostentado exatamente nenhum papel, raramente perdeu o foco ou raciocínio das suas explicações.
Na verdade, onde creio que poderá ter falhado foi antes das eleições. A demora na apresentação da candidatura permitiu a interpretação da desvalorização das eleições, alicerçado na convicção de que estão garantidas. Aliás, toda a restante campanha de Marcelo Rebelo de Sousa acaba por não fazer juz à prestação nos debates.
João Ferreira
Em terceiro lugar, passo para João Ferreira.
Moldou a sua estratégia nos artigos, linhas e objetos que constroem a Constituição da República Portuguesa, sinalizando uma fiel relação que, para além de ter sido uma estratégia coerente (teve sempre uma base onde voltar após uma ou outra incursão ideológica), serviu também para algumas boas doses de humor saudável e tweets engraçados.
Jovem, eloquente, político já com alguma experiência (destacando-se o papel de Eurodeputado) foi uma escolha acertada do PCP e não me admiraria se o víssemos ao lado das mais proeminentes figuras políticas nacionais no decorrer dos próximos anos.
Ainda assim, não me parece que se tenha destacado particularmente bem em nenhuma frente de debate. Face ao último resultado de um candidato apoiado pelo PCP, acredito que alcançará uma maior percentagem de votos (o que não será assim tão difícil) mas, ainda assim, aquém do maior investimento em campanha destas eleições.
Fiel à defesa intransigente de direitos laborais ou à “proteção do SNS segundo João Semedo e António Arnaut” pecou pela incapacidade de criação ou exploração de novas ideias, caindo demasiadas vezes no debate ideológico.
Marisa Matias
Avançando um pouco no espectro político, encontramos a candidata Marisa Matias – surpresa maior das últimas eleições e cujo resultado duvido que consiga suplantar ou sequer igualar.
Face às últimas eleições, moderou o seu discurso (influenciada, talvez, por uma participação ativa do BE na solução governativa em vigor) o que lhe custará o apoio do eleitorado da esquerda mais radical (leia-se, entusiasta).
Junta-se ainda o surgimento de Ana Gomes que, apesar de pertencer a uma esquerda mais moderada defende com extrema veemência as causas da justiça social e limpeza da corrupção, disputando votos com Marisa Matias que fica numa posição eleitoral algo delicada. Nos debates, também não recordo nenhuma vitória destacada.
Na campanha eleitoral, destaco a posição digna com que respondeu à provocação acerca do seu visual, preferindo desviar a posição do “pessoal” e redirecionando-a para o destaque sobre o machismo sistémico (uma das suas bandeiras) – ironicamente, arrisco dizer que, se este caso tivesse ocorrido mais cedo na corrida, talvez tivesse conseguido captar mais votos.
André Ventura
No outro extremo do eixo, encontramos o candidato mais polémico da atualidade: André Ventura.
Talvez por isso, tenha sido também o que, na minha opinião, melhor aproveitou o seu tempo nos debates televisivos. Não se desviou nem por um milímetro do seu público-alvo, chegando ao cúmulo de, nos debates à direita, se intitular o seu “verdadeiro defensor” prestando até lições (não-solicitadas) aos seus adversários.
Destaco ainda que, apesar da postura indigna, com interrupções que desaproveitaram os debates, tornando-os demasiado confusos e extenuantes para a assistência, conseguiu sempre cumprir o seu objetivo: associar o adversário a ideias pré-definidas pelo próprio, desacreditando-os perante o público com mensagens simples e eficazes (ex: João Ferreira e regimes autoritários, Ana Gomes e o parecer sobre Paulo Pedroso, Marcelo Rebelo de Sousa e a catástrofe nos incêndios, etc.).
André Ventura beneficiou ainda de um efeito de omnipresença em quase todos os debates – o qual deve agradecer aos moderadores e estações televisivas – que decerto o ajudou a propalar a sua mensagem. Destaco ainda o que julgo ter sido uma máquina de campanha extremamente funcional que influenciou aspetos desde a cuidada escolha de guarda-roupa à investigação sobre factos/incoerências nos seus opositores.
No último debate televisivo com todos os candidatos creio que surpreendeu pela postura mais calma face às suas restantes participações. Imagino ter-se tratado de uma estratégia calculada para chegar aos eleitores mais moderados e que, no caso de terem apenas visto o último debate, não terão compreendido as acusações de impetuosidade e desrespeito nas intervenções.
Tiago Mayan Gonçalves
À direita, encontramos também Tiago Mayan Gonçalves que, por oposição ao candidato anterior, foi quem pior preparação e aproveitamento retirou dos debates
Com uma base eleitoral reduzida, Tiago Mayan devia ter optado por focar a sua mensagem e colocar na agenda política o raciocínio liberal, desafiando o status-quo de uma maneira sustentada e pensando na consolidação da IL no longo-prazo. Ao invés, optou frequentemente por chavões fáceis e quasi-populistas, roçando até acusações graves (ex: responsabilização total da ministra da saúde pelas mortes relativas à covid-19) que demonstraram, acima de tudo, alguma inexperiência política e até falta de carisma e fluidez de discurso (o que potenciou o recurso às tais frases vulgares).
Por outro lado, teve sempre uma postura coerente e respeitadora nos debates dos quais destaco duas posições em que acredito ter ganho alguns votos:
- Na opção de se “colocar ao lado do português comum” no que se refere à gestão das suas ações de campanha; e
- Na recuperação económica nacional assente na revisão de processos cristalizados, eliminação de burocracias e alocação do apoio europeu às empresas e famílias.
Ainda assim, duvido que alcance um resultado próximo da “surpresa” que foi a IL nas últimas legislativas.
Vitorino Silva
Por último, Vitorino Silva que concorre pela segunda vez a eleições presidenciais mas que dificilmente repetirá o resultado de há 5 anos atrás. Nessas eleições, era Vitorino o candidato fora do sistema convencional. Posição que nestas eleições é dividida por André Ventura, Tiago Mayan Gonçalves e, de certo modo, Ana Gomes.
De discurso simples, protagonizou já verdadeiras lições de humildade e momentos icónicos (tal como o das “pedras de todas as cores”). Ainda assim, quando apresentado com um tema fraturante – ou na tomada de uma posição/decisão – acaba frequentemente por desviar o tema (com a exceção da pronunciação sobre o anúncio da candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa por António Costa).
Sem o apoio do voto “anti-sistema” e com a redução dos votos da sua base de eleitores – que só por si já é reduzida – fruto de receios relacionados com a ida às urnas e exposição à pandemia, acredito que será o candidato menos votado.
Afinal, estive apenas mais 10 minutos na fila de voto, pelo que o texto só foi terminado em pleno no dia de reflexão de 23 de janeiro de 2021.
Dificilmente serão as eleições mais disputadas de sempre. Por outro lado, fico com a sensação de que serão as que mais ideias novas trouxeram para debate o que, espero, seja um sinal positivo de inovação e desafio do status-quo para os próximos anos num país tão necessitado de reinvenção.
Rafael Pereira
Formado em Gestão na Nova SBE com o sonho de se reformar em epicurismo. Apreciador de trocadilhos, antíteses e aliterações. Opinador profissional tanto na bancada como em cafés; amador de música(s) e, destacadamente, um tipo normal.