Em Portugal, a Pandemia é a Preto e Branco

Voltou a ser decretado confinamento obrigatório em Portugal.  A primeira vez que esta política esteve em vigor, foi em Março de 2020, para fazer face à rápida proliferação do vírus e colmatar a impreparação do país.  Passado quase um ano, voltamos a ser confrontados com esta dura realidade, mas desta vez o confinamento surge como castigo, porque nos portámos mal.  De facto, parece que uma percentagem significativa da população não fez o que o Estado mandou.  

Esta narrativa de que o Estado castiga (inevitavelmente) o cidadão mal comportado não pode resumir a situação que vivemos atualmente.  Seria certamente melhor se houvesse um maior cumprimento das diretivas por parte da população, e existe certamente espaço para criticar os comportamentos individuais. Não obstante, é preciso relembrar que o ónus recai sobre o Estado.  Afinal, o Estado tem não só o poder de decretar leis, mas também de monitorizar o cumprimento dessas leis e punir as pessoas ou entidades que não as cumpram. 

Cabe ao Estado alinhar o comportamento dos diferentes cidadãos, tendo em vista objetivos que beneficiem a sociedade como um todo.  Por exemplo, o Estado recolhe impostos e investe em sistemas de segurança social, saúde, educação, entre outros.  Caso esses investimentos fossem realizados individualmente pelas pessoas, o investimento nestes sistemas seria provavelmente menor/inexistente.  Neste caso, o Estado não se limita a decretar as taxas.  Pelo contrário, (i) verifica o montante contribuído por cada pessoa e, sendo inferior ao valor estipulado, (ii) aciona mecanismos punitivos.  De forma a assegurar um melhor controlo da pandemia, o Estado poderia, para além de anunciar medidas de combate à pandemia, focar-se no seguinte:

  • Articular o conjunto de medidas de forma clara, com poucas e percetíveis exceções;
  • Implementar mecanismos para monitorizar o cumprimento das medidas, identificando comportamentos desviantes; e
  • Reforçar os mecanismos de punição desses desvios, não necessariamente ao aumentar o valor das multas, mas garantindo que havendo um incumprimento a pessoa é punida de acordo com o que está definido. 

No entanto, o Estado não teve a capacidade de monitorizar o cumprimento das regras até ao momento.  Sem um mecanismo eficaz de monitorização, é difícil garantir que os cidadãos tenham um comportamento condizente com as regras. Como referido acima, os cidadãos têm interesses individuais que por vezes não coincidem com o interesse do Estado.  Se estes cidadãos não forem identificados, estarão mais dispostos a incumprir as regras. 

O mecanismo de punição também não é credível.  Em primeiro lugar, se não é possível identificar pessoas que não cumprem as regras, estas não podem ser punidas.  Para estas pessoas, o mecanismo de punição não funciona, logo não é credível.  Em segundo lugar, mesmo quando existe alguma monitorização, por exemplo, quando se observam deslocações entre concelhos ou grandes aglomerações, o Estado parece não ter meios para aplicar as punições que estabeleceu.  

Como consequência, vivemos numa pandemia a preto e branco.  Quando a situação parece controlada, temos carta branca para viver em “normalidade”.  Assim que piora, decretam-se restrições às cegas, sem se verificar o seu cumprimento.  Assim não conseguimos vencer a pandemia, o que aumenta os custos económicos e sociais para o país.

A pandemia não pode ser vivida a preto e branco.  É preciso, portanto, apostar noutras áreas de intervenção, à semelhança de outros países do mundo (como avaliado, por exemplo, por este estudo das Nações Unidas). 

© The Portugal News
João Matias

Cidadão europeu e Economista de profissão. Gosta de fazer exercício não só através da prática desportiva, mas também da prática intelectual.

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