Meu querido São Valentim,
Tenho com o meu país uma relação que já dura há 24 anos. Apesar dos seus altos e baixos, como é comum em todas as relações, esta tem sido uma relação duradoura. No entanto, preocupa-me que exista cada vez menos confiança nesta relação.
A pandemia tem revelado inúmeras debilidades nas estruturas de decisão que governam a sociedade portuguesa. Desde março de 2020 que se acumulavam falhas na comunicação das estratégias de resposta à pandemia, resultando numa mensagem confusa, pouco assertiva e, por vezes, contraditória. A estas somam-se falhas operacionais que, agora de forma flagrante, se materializam em vacinações indevidas. Receio que o meu país me esteja a trair e a todos os seus cidadãos.
A minha confiança tem-se degradado porque o meu país cria expectativas que não são posteriormente satisfeitas. Em particular, verifica-se ao longo do tempo que os decisores de políticas públicas tendem a definir objetivos ambiciosos que poucas vezes são cumpridos. Acontece, por exemplo, a nível orçamental com as metas de investimento público, e acontece agora também nas estratégias de resposta à pandemia. É verdade que fico contente quando o meu país anuncia objetivos ambiciosos e cenários otimistas. Contudo, desespero quando comprovo que o desempenho está muitas vezes aquém das expectativas que foram criadas – esta não é uma estratégia vencedora porque prejudica a nossa relação no longo prazo.
Para que esta relação melhore, penso que no imediato é preciso garantir que as expectativas sejam ajustadas o mais rapidamente possível, por exemplo, no que diz respeito à meta de vacinar 70% da população até ao final do Verão.
A estimativa inicial de vacinar 70% da população até ao início do Verão era muito ambiciosa (estima-se agora que esta meta seja alcançada no final do Verão). Por um lado, já em dezembro de 2020, era improvável que a capacidade produtiva pudesse corresponder à procura da vacina. Assim, mesmo que uma determinada quantidade tenha sido contratualizada, as metas de vacinação:
- deveriam acautelar para eventuais falhas no fornecimento da vacina; e
- deveriam dar uma margem de confiança para possíveis atrasos na distribuição e/ou administração da vacina.
Creio que a relação com o meu país possa melhorar se estes aspetos forem considerados ao serem definidas metas no futuro. No geral, isto implica que se criem expectativas mais baixas ao início, mas fortalece a relação quando se comprova que as expectativas são cumpridas ou superadas.
O cenário que o meu país define para o momento em que atingirmos 70% da população vacinada também deve obedecer a estes princípios. É importante que as pessoas se sintam confiantes na sua relação com Portugal quando existirem condições para a Economia crescer. A sociedade poderá eventualmente ganhar como um todo, se a confiança dos cidadãos for impulsionada pelo cumprimento das metas anteriormente estabelecidas.
Por estes motivos, peço ao meu querido São Valentim que me traga uma relação honesta com o meu país.
Com amor,
João Matias
Cidadão europeu e Economista de profissão. Gosta de fazer exercício não só através da prática desportiva, mas também da prática intelectual.