Greenwashing – uma Tragicomédia

O termo greenwashing foi cunhado em 1980 pelo ambientalista Jay Westerveld que, durante a sua estadia num hotel, considerou que ao apelarem ao hóspede para reutilizar as toalhas do quarto, de forma a reduzir impactos no ambiente, o hotel estava simplesmente a pôr a pressão de ser sustentável no cliente, enquanto os seus interesses passariam exclusivamente por poupar em toalhas. Muito ao estilo das campanhas actuais da Starbucks, que esperam que o cliente traga na sua mala garrafas de 500ml, de forma a reduzir os milhões de copos descartáveis que uma empresa com o capital da Starbucks produz diariamente.

É uma estratégia de marketing que cria uma impressão errada sobre a componente sustentável e esforços levados a cabo por uma marca e produtos que comercializa.

Em termos simples, é manipulação e um aproveitamento da crescente preocupação do consumidor em ser sustentável. É fácil ser enganado quando estamos perante um quadro em que apesar de existir uma consciência cada vez maior, essa vontade de ser mais verde e amigo do ambiente não é acompanhada por uma real procura de informação e não existe educação sobre o assunto.

Ora as grandes companhias têm bom faro para a quantidade de lucro que daqui pode advir e agem como se fossem os nossos salvadores usando determinado tipo de vocabulário e de estratégias de marketing absolutamente hilariantes e ridículas mas que se convertem em milhões de vendas. E provavelmente não há ninguém que não tenha caído nesta falácia.

O greenwashing pode assumir várias modalidades, grande parte delas vão ser facilmente reconhecíveis para quem está a ler.

O Greenwashing Directo mas Vago

Quando uma empresa nos diz directamente que é “verde”, e pode fazê-lo simplesmente por usar vocábulos como eco, verde, sustentável entre outros nas suas campanhas. No fundo, um conjunto de palavras fofinhas que nos dizem coisa nenhuma. Tendo em conta que não existe nenhum requisito de certificado para que uma marca possa usar estas palavras, rapidamente nos apercebemos da facilidade em propagar uma ideia errada da visão e esforços ambientais contidos naquele produto.

Dentro deste tipo de greenwashing, dos mais facilmente identificáveis é dizer que o produto é reciclável quando na verdade, por exemplo, apenas 10% dos materiais o são. Yap.

Por cá fazem outra igualmente grave – anunciar “produto 100% reciclável!” Em Portugal, apenas as embalagens são recicláveis, independentemente dos materiais utilizados no produto em questão serem 100% recicláveis. Portanto, facepalm.

Outro exemplo, a BP com a nova campanha “drive carbon neutral” não poderia ser um melhor exemplo do que é tentar enganar o consumidor. É um facto que a BP faz compensações carbónicas mas isso nao significa que não tenhamos impacto a conduzir. “Vá a pé ou abasteça na BP”, quem ler isto e for de boa fé é capaz de cair na esparrela porque não existe informação suficiente para a população para saberem que compensação não equivale a neutralidade carbónica.

Greenwashing Indirecto

De uma forma mais indirecta, temos o típico romantizar dos produtos através da sua colocação em cenários de beleza natural, florestas, trilhos (como os anúncios de carros ROFL), ou o simples uso da cor verde. Aqui, não nos impingem directamente a ideia de que são sustentáveis, existe apenas a tentativa de associação subtil.

Uma das transformações em logotipo que imediatamente me vêm à cabeça é a do McDonalds. Que desde a sua criação e com um logotipo super bem sucedido de amarelo sobre fundo vermelho, decide agora passar para um fundo verde. Hum? Coincidência?

O mesmo com a coca-cola e o logo para as Coca-colas Life. E não se trata meramente de uma associação cerebral a pradarias e borboletas mas incluem também uma tentativa de que o consumidor associe a produções locais, pequenos negócios, produções em áreas rurais, e mesmo produtos mais saudáveis.

A Nestlé também consegue ser muito engraçada neste âmbito já que agora lançaram uma garrafa de água eco-shape. Por favor alguém que me ajude a compreender o que raio é suposto significar isto.

Mas fico feliz por saber que a mesma empresa que esteve envolvida em acusações de escravatura infantil, condições laborais desumanas, ou daquela vez em que se recusou a lidar com a descoberta de tráfico infantil nas suas redes de fornecimento, está no top 3 dos maiores poluidores de plástico (ah!) e em que o presidente faz considerações deste gabarito: “There are two different opinions on the matter [water]. The one opinion, which I think is extreme, is represented by the NGO’s, who bang on about declaring water a public right. That means that as a human being you should have a right to water. That’s an extreme solution.” tem agora uma garrafa eco shape friendly zen. Good stuff.

Go Incognito

Depois temos outro tipo de chico espertos, as empresas que mascaram o seu negócio escondendo-se atrás de um único produto ou linha de produtos que à primeira vista vão parecer fabulosamente amigos do ambiente. Estas empresas sabem que não vão ser aceites pelos consumidores que verdadeiramente procuram alternativas sustentáveis portanto fazem tudo às escondidas.

Political Greenwashing

Greenwashing também pode ser político. Vamos pegar na H&M, a rainha do greenwashing. Vários dos últimos posts da marca em redes sociais como o instagram, vocalizam muito o seu apoio ao movimento BLM. O que seria fantástico não fosse o facto de só o fazerem porque sabem que isso faz com que dentro dos compradores de fast-fashion, o consumidor vá optar por eles por ter sido levado a crer que a H&M quer saber e está envolvida na luta contra o racismo e injustiças sociais. Se isso fosse verdade, não aceitariam que trabalhadores no Cambodja trabalhassem 18 horas diárias, não aceitariam violência sexual sobre trabalhadores nas suas fábricas, permitiriam a formação de sindicatos e discussão de salários. 

O Constatar do Óbvio

Bem, para aligeirar o ambiente vamos pensar na quantidade de marcas em Portugal que destacam um produto como sendo “não testado em animais”. No shit Sherlock! Tenho uma novidade para vocês, testes em animais são proibidos na União Europeia. Ou seja, a marca está a usar um estandarte de ser super responsável quando na verdade só está a cumprir com a legislação em vigor, caso contrário levam coimas estrondosas em cima. Aquilo que devemos procurar num produto é se é “cruelty free”. Porquê? Uma marca que venda em PT alegando que não testa em animais é muito bonito e tal mas se a marca em questão vende na China, isso significa automaticamente que faz testes em animais visto que a legislação chinesa obriga a que tal aconteça. Cruelty free significa que a marca não testa de todo e não comercializa para países que seguem esta linha.

Outra muito old school é dizer que não contém CFC’s… os CFC’s foram banidos já há uns tempos. Ou melhor ainda descrever um produto como sendo bom para a saúde ou como usando menos matéria prima mas não tendo forma de o comprovar. Alegações vagas e sem qualquer referência a estudos científicos. Can I get a Hooyaa, Renova?

A Auto-Promoção Baseada em Mentiras e Não Factos

Isto leva-nos ainda a mais uma forma de greenwashing comum. Rótulos que destacam “Produto Certificado!” e depois vamos à procura de que certificação se trata e ou não diz, ou (hold your breath) são auto-certificados! Exemplo da Nestlé que até há bem pouco tempo auto certificava o seu cacau ou como as grandes produtoras americanas de ovos ou fiambre ou you name it que são as autores dos estudos (estudos disponibilizados pelo próprio Governo!) que certificam as suas cadeias de produção como limpas, respondendo aos critérios de saúde pública e sem qualquer malefício para a saúde.

A Comissão Europeia recentemente propôs um plano de acção na área da economia circular em que obriga os produtos colocados à venda no espaço europeu a ser realmente aquilo que proclamam. Talvez esta medida venha a colocar um travão a uma fraude, fraude até agora não regulamentada.

Enfim, por último, e voltando à H&M como o exemplo perfeito de império de “fast-fashion” a tentar encorajar moda sustentável (not), vamos dar uma vista de olhos à dita “Conscious Colection” e vejamos aquilo que para a empresa conta como “conscious”: “To qualify for a green hangtag, a product must contain at least 50% sustainable materials, such as organic cotton and recycled polyester — but many of our garments contain more than that. The only exception is recycled cotton, which can only make up 20% of a product due to quality restraints.” Portanto, é o mesmo que dizer aqui está a nossa linha de roupa sustentável (com uma % mínima de componentes ou formas de fabrico sustentáveis) e aqui está a nossa colecção permanente destruidora do ambiente e baseada em exploração laboral.

Outro exemplo patrocinado por esta loja de fast fashion, que tem um dedo para gastar mais em marketing do que efectivamente em transformação na produção, é a nova campanha Conscious Points com a actriz Maisie Williams (uma pena ver personalidades com a capacidade de influenciar milhões de pessoas entrarem em esquemas destes). Ora esta campanha permite ao consumidor ganhar pontos/vouchers ao entregar à H&M têxteis para serem reciclados e consequentemente reaproveitados 

Esta publicidade estilo sci-fi quer levar-nos a crer que conseguem reciclar todas as roupas doadas quando na verdade apenas uma percentagem muito muito reduzida poderá ser reciclada pelo simples facto de que infelizmente as peças de roupa são geralmente constituídas por diferentes materiais e não é possível voltar a fazer uma divisão que nos permita fazer uma reciclagem em grande escala. Ora se ninguém consegue não vai ser a H&M a conseguir nem mesmo com este sci-fi todo e com a Maisie estilo Avatar. O que conseguem no entanto, é que o consumidor continue a comprar nas suas lojas porque a campanha à base de vouchers cria este ciclo sem fim.

Então Todas as Nossas Decisões Enquanto Consumidores Estão Erradas?

O que podemos fazer? Apoiar empresas 100% dedicadas à causa e comprar em 2ª mão. Ser responsáveis e evitar entrar na onda “bem ao menos este é menos mau”. Procurar por certificações (caso do óleo de palma por exemplo que está presente em tantos produtos do nosso dia-a-dia) e informações relevantes nos rótulos, incluindo as informações que não convém que estejam à vista quer passe pelo local de produção, supply chain e origem de ingredientes.

Somos pequenos face a corporações gigantes mas não somos irrelevantes. Existem apenas se compactuarmos com elas portanto em vez de nos lavarem o cérebro, optemos por decisões conscientes.

© Brian Yurasits via Unsplash
Beatriz Burnay de Mendonça

Olá, o meu nome é Beatriz e estas duas linhas servem o propósito de me fazer parecer melhor do que realmente sou.

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