Estamos agora a chegar à reta final de um ano muito diferente. Se tivesse de o caracterizar numa frase, diria que foi “Um Ano de Corridas”. Com as mais variadas configurações e durações, umas literais outras figurativas, houve para todos os gostos. A mais sonante, ainda por terminar, é a corrida à vacina para a Covid-19, que muitos aguardam com expectativa, pois acreditam que venha a ser o princípio do fim da pandemia. As grandes farmacêuticas, a par do conhecimento académico, comprimem processos que em condições normais chegam a demorar décadas em períodos inferiores a um ano, na tentativa de salvar o mundo rapidamente e ficar para a História da Ciência como Messias do século. Há, no entanto, ainda muitas perguntas sem resposta nesta corrida internacional – desde a capacidade produtiva necessária, toda a logística inerente à disponibilidade que irá haver para países com diferentes graus de desenvolvimento e riqueza. Tudo isto até a vacina ser administrada, pois ainda está por aferir qual será a eficácia real, a periodicidade com que terá de ser administrada e em que dosagens. Este sprint, que para quem aguarda por soluções para reabrir negócios ou voltar a trabalhar mais parece uma maratona, está ainda longe da meta e resta apenas ser paciente.
Ainda associada à pandemia, mais concretamente ao confinamento, surgia em março uma outra corrida, desta feita aos supermercados e, em particular, ao papel higiénico. O furor teve início na Austrália, quando as autoridades de saúde emitiam as primeiras recomendações sanitárias. A par disso incentivavam a que a comunidade se munisse de bens de primeira necessidade para um eventual período de confinamento de duas semanas – e não de um ano como muitos devem ter depreendido face à quantidade de bens adquiridos. O ser humano tende a não lidar bem com incertezas, preferindo muitas vezes a certeza em vez da racionalidade e isso ficou demonstrado nas atitudes mais animalescas que se viram um pouco por toda a parte, trazendo um vocábulo que para muitos era uma palavra desconhecida até então – açambarcamento. Esta corrida teve tantos participantes que as plataformas comerciais chegaram a racionar quantidades dos produtos mais ‘atacados’, quais países do terceiro mundo. Infelizmente, esta situação já dura há tanto tempo que, felizmente, a comunidade já se habituou à ideia de que o mundo produtivo de bens de primeira necessidade se move à velocidade com que os açambarcadores correm às prateleiras dos supermercados e não à velocidade do seu raciocínio.
Este ano marcou o regresso da Fórmula 1 a Portugal, um evento de dimensão internacional que, fosse outro o ano, teria tido um impacto mais profundo na Economia e na Cultura nacional. No país de Ronaldo e Mourinho, onde o futebol é Rei e Senhor, tema de conversa em qualquer café da mais longínqua aldeia, o mesmo onde Tiago Monteiro e Pedro Lamy são dois nomes também eles longínquos ou até mesmo desconhecidos, não há uma cultura de massa associada ao desporto automóvel e há várias razões que o motivam. A cobertura de meios feita a ambos os desportos acaba por ser uma espiral para este tema. No caso da Fórmula 1, menos cobertura motiva menos adeptos à modalidade e menos adeptos geram menos audiência e por sua vez menos cobertura. O oposto aplica-se ao futebol. A par disto temos a quantidade de bons atletas que o país produz em cada um dos desportos e a facilidade, principalmente monetária, com que cada um deles pode ser praticado. Para a História ficou mais uma vitória limpa do piloto britânico Lewis Hamilton aos comandos do quase imbatível Mercedes W11, a mais de 25 segundos do seu colega de equipa.
Cerca de um mês depois dos monolugares, em novembro, chegava ao AIA – Autódromo Internacional do Algarve – a categoria rainha do motociclismo, o MotoGP. Para os menos entendidos na matéria costuma-se simplificar dizendo que é o equivalente à Fórmula 1 das motas, ou a Liga dos Campeões se estivermos no referido café da aldeia. No mesmo circuito mas desta vez sem público, os melhores do mundo atingiam velocidades superiores às dos seus congéneres do automobilismo que por lá tinham passado – cerca de mais 15 km/h no final da reta principal -, tendo Jack Miller atingido a maior velocidade do fim de semana na sua Ducati, uns estonteantes 345 km/h! Sábado mostrou-se desde logo um dia excecional para o piloto português em prova, Miguel Oliveira, tendo obtido a Pole Position para domingo, dia em que obteve o seu segundo Grande Prémio neste que é o seu primeiro ano no MotoGP. Escusado será dizer que aqui se repete o que foi dito anteriormente relativamente à Fórmula 1 acerca da massa adepta que existe em Portugal, sendo ainda menor no desporto das duas rodas. No entanto, atendendo a que tínhamos um piloto português em prova, prova essa realizada em território nacional num fim de semana em que praticamente não se podia sair de casa devido às restrições de mobilidade que a pandemia impõe, seria de esperar uma transmissão da prova em canal aberto. Infelizmente os interesses comerciais associados aos direitos de imagem e transmissão acordados a nível internacional não contemplaram este aspeto.
A nível pessoal, 2020 deu-me a conhecer uma nova ‘corrida’ que eu próprio passei a praticar – a corrida ao telecomando para que a televisão não entre em modo standby. Contextualizando, trabalhei a partir de casa desde março, data em que houve o primeiro confinamento obrigatório. Reestruturei a sala para que acomodasse as novas necessidades, onde iria ficar em teletrabalho por mais de seis meses e a televisão passou a ser uma companhia constante, ora em canais de notícias ora em canais de música. Descobri que ambos se repetem bastante durante o dia e ao longo dos dias. Acontece que a caixa mágica, como foi carinhosamente apelidada nos seus primórdios, vem dotada de um sistema que previne que esta fique acesa por longos períodos, mais concretamente quatro horas na maioria dos aparelhos. Um ou dois minutos antes de se desligar – ou entrar no referido estado de standby – automaticamente, surge uma pequena janela pop-up que questiona o utilizador se pretende manter o aparelho ligado. Este procedimento era até então desconhecido cá por casa, uma vez que em condições normais ninguém via televisão por períodos tão longos. Apesar de ser uma funcionalidade passível de ser removida ou editada, era engraçado que o aparecimento desta mensagem ditava religiosamente que tinham passado quatro horas e uma vez que eu a ligava imediatamente antes de começar a laborar virtualmente, significava que estava na hora de almoço ou, no período da tarde, na hora de desconectar do trabalho. Resumindo era quase um controlador do horário de trabalho que tanta gente teve dificuldade em estabelecer quando se viu forçada a trabalhar remotamente, entrando este em conflito com o horário familiar e de lazer.
Falta cerca de um mês para que o diabólico ano de 2020 acabe. Esperam-se novas corridas para o próximo ano e a conclusão de algumas que já se iniciaram, como a corrida à Casa Branca, cuja meta datará no dia 20 de janeiro apesar do vencedor já estar definido, ou a corrida à nova Playstation 5, que se avizinha longa para muitos dada a excessiva procura face à oferta, num ano em que se procuram novas formas de entretenimento. Ironicamente, apesar de tanta corrida e correria, consta que este ano aprendemos a viver de forma mais lenta.
Filipe Zuzarte
Co-fundador, membro da Equipa Editorial e um dos "pseudo-especialistas em nada" que opinam na Enciclopédia Portuguesa de Microassuntos. Como interesses tem: Automóveis, Economia, Viagens e a criação de página de memes.