Neste meu regresso à partilha de opinião, não faltaram temas sobre os quais tive vontade de escrever. A gestão (ou ausência dela) da pandemia, a organização arcaica do nosso Estado, a falta de vontade em fazer diferente, os resultados presidenciais, os números da emigração qualificada são alguns exemplos. A verdade é que todos eles me remetem para aquilo que o deputado Sérgio Sousa Pinto se tem referido: “Qual é a mãe de todas as causas? É o crescimento económico. É o país sair da cepa torta. O país não sai da cepa torta, a cepa torta é destruidora.“.
Pois bem, é com isto que nos confrontamos. “Primeiro, começamos com a crise financeira de 2008 que atingiu o sistema bancário, depois tivemos a crise das dívidas soberanas e a troika, depois tivemos a marcha forçada em direção ao equilíbrio orçamental e, finalmente, temos uma pandemia.“.
De forma sucinta e certeira temos aqui o diagnóstico de um grave problema e sem aparente fim à vista. Os baixíssimos salários, a asfixiante carga fiscal e a baixa competitividade fazem com que a minha geração tenha dificuldade em olhar para amanhã, com a expectativa que será melhor que hoje. Ora, é precisamente este raciocínio pernicioso que desmotiva o mérito, desincentiva a melhoria e convida à emigração. E que soluções?
1. Regionalização e Desburocratização
Não se afigura boa gestão que o Estado perca muito tempo a processar dados e a pedir aos cidadãos documentos que se encontram dentro de outros organismos do próprio Estado. Não faz o menor sentido que as pessoas tenham de se deslocar a 3 diferentes repartições públicas (Finanças, Conservatórias e Segurança Social) para que possam apresentar documentos entre si. Quantos destes atos não foram verdadeiramente inúteis, fazendo os cidadãos perderem parte do seu tempo produtivo (e dos trabalhadores fazerem atos desnecessários). O tempo de não trabalho de um e o ato inútil de outro custam tempo e dinheiro. Parte destes problemas podem ser resolvidos com a digitalização dos serviços do Estado.
Quanto à regionalização, não se afigura minimamente de bom senso que, para um particular fazer uma habitação num terreno seu, o município tenha de andar a pedir pareceres favoráveis a “n” instituições, as quais podem dar as mais variadas orientações e levar meses a atrasar o desenvolvimento. Uma transferência efetiva de poder, para a decisão de proximidade, agiliza o processo, simplifica, e, consequentemente, torna-o mais barato.
2. Redução e simplificação da carga fiscal
Ora, se é verdade que na minha profunda convicção a simples redução de impostos geraria um aumento da receita (por aumento do rendimento disponível e por compensar menos a fuga), não é menos verdade que a redução do Estado por via da eficiência daria uma base ainda mais sólida a essa redução. Não se pode cair na tentação de utilizar as poupanças geradas em mais despesa pública, por vezes de rentabilidade social altamente duvidosa, mas eleitoralmente vantajosa.
O princípio de que cada cidadão é uma pessoa responsável e fará uma boa alocação dos seus rendimentos extra é aquilo que me faz acreditar que a maior força que um país tem são os seus pequenos e médios empresários e trabalhadores.
A redução da carga fiscal deverá ser acompanhada de uma revisão dos benefícios fiscais e das deduções. A complexidade do nosso sistema fiscal faz com que estejamos no Top 10 dos países que mais tempo perdem a preencher declarações fiscais. Por conseguinte, deverá ser prioridade uma redução generalizada de impostos e taxas, ao invés de tempo despendido e recursos humanos para controlar a existência de determinados benefícios.
3. Confiar nos outros
Este é para mim o ponto fundamental. Numa altura em que chamar fascista ou comunista é o prato do dia, esta minha convicção pode parecer maluca. Mas não. É tóxico viver num país em que se alimenta diariamente a perceção do “anda tudo a gamar”; é tóxico viver num ambiente de caça às bruxas feita por Ana Gomes e André Ventura que vendem a ideia de que nos temos de juntar todos contra alguém ou contra alguns. Não é possível viver neste clima de que alguém que é bem-sucedido “foi porque fez isto”, “foi porque enganou o outro” ou “é porque é familiar do outro”.
É difícil, num país onde a mesquinhez e a inveja são diariamente alimentadas, colocar esses sentimentos de parte e confiar nos outros. Porque sem confiança, não se delega, não se autonomiza, não se agilizam processos, logo, não se cresce.
4. Ética
E, finalmente, não é possível cumprir nenhum dos pontos anteriores sem este último. Precisamos de olhar, reforçar e reproduzir as nossas referências éticas. Necessitamos de fomentar os bons exemplos. Os bons políticos, os bons empresários, os bons trabalhadores, os bons profissionais liberais, as boas pessoas. Precisamos de olhar para nós e apontar os bons homens e mulheres.
Temos de criar as condições para que mais portugueses consigam sair da cepa torta, sem ter que sair de Portugal.
Nota: A título de exemplo, ainda há pouco tempo a Iniciativa Liberal tentou vender a sua ideia de taxa fixa de IRS (da qual não sou adepto). Qual o maior crítico? O Conselheiro de Estado e do Banco de Portugal – Francisco Louçã – que estava preocupado com o facto de os ricos pagarem menos. Ou seja, a preocupação não é que os portugueses tenham salários tão baixos que 46% das pessoas singulares e dos seus agregados não paguem IRS. A preocupação é que quem ganha mais pague menos (ainda que todos pagassem menos). É preciso dar menos tempo de antena, a este tipo de pessoas que intoxica o espaço público com a inveja alheia.
André Tavares Moreira
“Poveirinho pela graça de Deus” é advogado de profissão, deputado municipal por prazer e adora análise política e económica. Faz desporto para poder atacar no prato e andar de mota é o seu elixir. Gosta mais de discutir do que ter razão.