Economia e Populismo

Num recente documento de trabalho, Manuel Funke, Moritz Schilarick e Christoph Trebesch mostram que o populismo tem crescido de forma assinalável desde os anos 80, com 25% dos países a serem hoje governados por populistas[1], independentemente de os mesmos terem uma raiz à direita ou à esquerda, como se observa na Figura 1 abaixo.

Fig. 1 – Percentagem de países independentes com governos populistas.

Neste contexto, importa perguntar: qual o impacto nas respetivas economias de governos populistas? Esta pergunta ganha ainda maior dimensão devido ao facto de durante a próxima semana termos o terminar das presidenciais norte-americanas, com um candidato que em 2016 se assumia como antissistema e que venceu as eleições contra Hillary Clinton, porventura a candidata presidencial com mais experiência de governação da história dos EUA, mas também por isso mesmo, a face mais visível do próprio sistema.

No trabalho acima citado – documento de trabalho e por isso ainda sujeito a validação científica por pares – os autores mostram que passados 15 anos, o PIB é mais de 10% inferior do que teria sido se o respetivo país não tivesse tido um governo populista. É também interessante observar que o impacto encontrado é independente da origem ideológica do movimento populista. Como se pode observar na Figura 2 abaixo.

Fig. 2 – Diferença no PIB per capita passados 15 anos de um governo populista.

As razões por detrás deste efeito, centram-se sobretudo no aumento do nacionalismo e protecionismo económico, na condução de políticas macroeconómicas insustentáveis e na deterioração das instituições. Assim, levanta-se naturalmente a pergunta: como foi a performance económica do governo de Donald Trump?

Será ainda cedo para ter uma palavra definitiva sobre esse impacto. Primeiro porque não sabemos se Donald Trump será reeleito. As sondagens atuais apontam para uma vitória decisiva de Biden, mas são as mesmas que apontavam em 2016 para uma vitória de Hillary Clinton. Segundo porque provavelmente nunca saberemos o real impacto futuro das políticas económicas de Donald Trump, que estarão sempre mascaradas pelo catastrófico impacto da pandemia do COVID19.

Mesmo neste contexto, o que nos dizem os dados até à pandemia? Comecemos pelo nacionalismo e protecionismo económico. As guerras comerciais com parceiros no domínio do comercio internacional, desde o México à China, da Europa ao Canada, tiveram um impacto limitado no défice da balança comercial que se manteve virtualmente idêntico durante esta última presidência. Não obstante, o volume de investimento direto estrangeiro a entrar nos EUA, em percentagem do total mundial, subiu no ano de tomada de posse de Trump, mas depois inverteu a tendência nos dois anos seguintes, passando de cerca de 36% em 2017 para cerca de 25% no fim de 2019, acabando abaixo dos cerca de 29% com que Obama terminou o seu mandato[2]. Em termos de importância no PIB, baixou de 2.64% em 2016, para 1.45% em 2019.

No que diz respeito à condução de políticas económicas insustentáveis, o défice do governo federal inverteu a tendência de recuperação que vinha sendo observada desde a grande recessão, precisamente durante os dois mandatos de Obama, e quase que duplicou, de perto de 3% para 6%. Isto ao mesmo tempo que os países do chamado G6[3] continuaram o seu caminho de consolidação orçamental. No entanto, a deterioração das contas públicas, foi acompanhada de um crescimento bastante mais acentuado dos índices bolsistas dos EUA relativamente ao resto do mundo, manutenção de taxas de desemprego mais baixas que o G6 e crescimento do PIB sistematicamente mais forte do que o esperado. Importa também ressalvar que nos últimos dois anos, observou-se um crescimento robusto do rendimento mediano, mais até nos 25% mais pobres do que nos 25% mais ricos. Relativamente à deterioração das instituições, as métricas são mais difíceis de construir, mas os níveis de agitação social e de confrontos étnicos e raciais cresceram a níveis nunca vistos desde 1992 e dos julgamentos de brutalidade policial a Rodney King.

Dado tudo isto, e como referido acima, será sempre muito difícil fazer um balanço definitivo sobre as consequências para a economia do mandato de Donald Trump, baseado apenas nos primeiros três anos. Quer porque existem sinais contraditórios nos indicadores, quer porque todo o mandato acabará por ser julgado no futuro pela resposta à pandemia. Neste contexto, ninguém do G6 gastou tanto em percentagem do PIB como os EUA, excedendo os 12% do PIB, bastante acima do Japão com perto de 10%, Alemanha com 9% e dos restantes, todos abaixo dos 6%. Resta saber com que resultados.

© Denis Balibouse/Reuters

[1] Populismo é definido como um estilo político centrado na suposta luta entre o povo e o sistema. Governos populistas centram a narrativa no povo contra as elites e clamam ser os verdadeiros representantes do povo. Para mais ver Funke, M., Schularick, M., & Trebesch, C. (2020). Populist Leaders and the Economy, disponível em: https://www.ifw-kiel.de/fileadmin/Dateiverwaltung/IfW-Publications/Manuel_Funke/KWP_2169.pdf

[2] https://www.economist.com/united-states/2020/10/14/how-the-american-economy-did-under-donald-trump

[3] Grã-Bretanha, Canada, França, Alemanha, Itália e Japão

Pedro Brinca

Doutorado em Economia pela Universidade de Estocolmo, é atualmente Professor Auxiliar na NOVA School of Business and Economics, responsável pela cadeira de Macroeconomia para alunos de Licenciatura. Tem como interesses: Política, Futebol (nomeadamente o "Glorioso") e Genealogia (dedicando um esforço considerável à construção da Árvore Genealógica da sua família).

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