‘Café Central’ Económico é uma rubrica escrita por jovens economistas que pretendem explicar de forma simples as complexidades da ciência económica. Com este exercício, os autores pretendem libertar-se dos jargões da economia quando querem falar de problemas económicos como se tivessem no ‘Café Central’ da freguesia.
Quinzenalmente publicados em Metrónomo, a quem os autores muito agradecem a gentileza de lhes ser concedido este espaço de expressão livre de ideias, os textos são uma colaboração entre João Quelhas, Tiago Bernardino, e Diogo Lima, outrora separados pela dicotomia clássica professor-alunos, mas que hoje discutem frequentemente uma variedade de temas, desde a economia teórica à(s) política(s) do passado e do presente.
Em fevereiro de 1936, John Maynard Keynes (sobre quem escrevemos aqui) publicou a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Este livro precipitou a “revolução Keynesiana”, criou a subdisciplina da macroeconomia, e assegurou o domínio do paradigma Keynesiano nesta mesma durante as três décadas que se seguiram. No presente, as distinções entre “clássicos” e “Keynesianos” aparentam ser menos claras. A macroeconomia moderna integra, simultaneamente, considerações de ambas as tradições. No entanto, no que se refere a políticas económicas, a clivagem entre intervencionistas e não-intervencionistas continua a existir, e, provavelmente, nunca deixará de ser pertinente.
Neste artigo, o primeiro numa série de dois, iremos explorar o pensamento económico de Keynes, principalmente, na sua vertente ligada à Teoria Geral, e compará-lo à ortodoxia Keynesiana que influenciou economistas, intelectuais, e homens políticos, entre as décadas de 40 e 70 do século XX. Na segunda parte, que surgirá dentro de um mês, iremos explorar as consequências práticas da política económica Keynesiana, por contraste a uma inspirada no pensamento de Keynes, tendo como caso de estudo Portugal.
A Economia de Keynes
Antes de nos debruçarmos sobre a teoria económica de Keynes, importa que atentemos na distinção ao nível da nomenclatura que pretendemos utilizar. O adjetivo “keynesiano(a)”, por contraste a “Keynesiano(a)”, faz referência à economia de John Maynard Keynes. Todavia, este também pode ser utilizado para os desenvolvimentos pertencentes às escolas de pensamento económico que prolongaram a análise keynesiana, tanto em forma, como em substância. Podemos mencionar a este respeito economistas como Joan Robinson, Richard Kahn, Roy Harrod, Nicholas Kaldor, Hyman Minsky, Paul Davidson, ou ainda Victoria Chick.
A metodologia seguida por Keynes rejeita a “manipulação cega” de fórmulas matemáticas que pretendam dar respostas infalíveis, preferindo começar por obter conclusões provisórias, ao isolar os fatores relevantes, que depois são revistas, de maneira organizada e ordenada, quando são consideradas as possíveis interações entre esses mesmos fatores. Esta é a forma do pensamento keynesiano.
Em substância, o pensamento económico de Keynes analisa uma economia monetária, divida em dois setores, consumo e investimento. Neste tipo de sistema a moeda desempenha três funções: unidade de medida, meio de troca, reserva de valor. Esta última função tem particular relevância, já que a moeda pode ser usada diretamente em qualquer transação económica, sem a intermediação de um mercado, mas não traz qualquer outro retorno além desta liquidez.
Por demais, existe um lapso de tempo entre as tomadas de decisão dos agentes económicos e as consequências práticas destas mesmas, sendo que as condições económicas futuras são fundamentalmente incertas. As expectativas e antecipações formadas pelos diferentes agentes no processo económico ganham, então, particular relevo.
Embora sejam inexoravelmente ignorantes em relação ao futuro, os agentes económicos são impulsionados a agir. As expectativas e as antecipações, que informam estas ações, assentam em três pilares: o presente é percecionado como um bom indicador do futuro; os preços e quantidades observados nos mercados transmitem informações corretas sobre as condições futuras; e, dado que o julgamento de cada agente económico por si só não tem valor, são usadas convenções, que mais não são do que a psicologia de grupos de indivíduos que se copiam entre si.
O estado geral das expectativas sobre o futuro assenta então em bases imperfeitas e pouco sólidas, pelo que variações repentinas, frequentes, e até violentas, fazem parte das características fundamentais de uma economia monetária. As antecipações gerais de uma comunidade entram no sistema keynesiano na determinação do juro e na tomada de decisão dos donos de empresas em relação o investimento em bens de capital.
Ora, o primeiro é tido como o preço que equilibra o desejo de conservar riqueza em forma líquida, ou seja, a procura por moeda, e a quantidade de moeda disponível. As expectativas sobre o futuro determinam a proporção da riqueza que os agentes económicos pretendem manter em moeda. Esta proporção aumenta sempre que o futuro é tido como mais incerto, fazendo então aumentar a taxa de juro.
Os empresários que desejem adquirir bens de capital terão de antecipar o retorno que estes lhe trarão, antecipação esta que depende do estado geral das expectativas. Por demais, neste contexto, o juro é, ao mesmo tempo, o custo de financiamento externo e o custo de oportunidade, ou seja, o retorno da melhor alternativa à formação bruta de capital fixo. Quanto mais alto o juro, mais altos tem de ser os potenciais retornos. Sendo assim, sempre que o sentimento geral dos agentes económicos melhorar, o investimento expande, já que os ganhos antecipados com bens de capital aumentam e a taxa de juro diminuí. O contrário acontece quando acresce a incerteza.
Por seu lado, o consumo depende fundamentalmente do nível de rendimento, sendo a relação entre ambos conhecida como propensão a consumir. Esta determina quanto é consumido por unidade de rendimento, e é uma relação estável ao longo do tempo.
Sabendo que o rendimento é definido como a soma entre consumo e investimento, e que o segundo depende do primeiro, podemos chegar a uma fórmula que relaciona diretamente o rendimento e o investimento. Estes dois conceitos são então ligados pelo multiplicador do investimento: o rendimento é igual ao investimento amplificado pelo multiplicador, que depende da propensão marginal a consumir.
A dinâmica deste processo pode ser resumida de maneira relativamente simples. O investimento em bens de capital injeta novo rendimento no sistema económico. Parte deste é consumido, de acordo com a propensão a consumir, e soma-se ao rendimento criado inicialmente pelo investimento. Como tal, feitas as contas, a expansão do produto foi superior ao montante inicialmente alocado à formação bruta de capital fixo, e este acréscimo corresponde ao consumo induzido pelo aumento de atividade económica. O montante investido é propagado através da dinâmica do sistema económico e acaba, literalmente, multiplicado.
A última consideração que entra na versão estática do modelo keynesiano é a determinação do volume de emprego, ou seja, a quantidade de pessoas que, num dado momento, vão estar empregadas. Este é uma função do rendimento, ou seja, depende do investimento e da propensão a consumir.
O sistema de Keynes pode então ser utilizado para perceber as dinâmicas por detrás do ciclo económico. Em cada período, os agentes económicos formam expectativas sobre o futuro. Estas começam por influenciar a preferência pela liquidez, que estabelece o juro junto com o stock de moeda. De seguida, a taxa de juro e o nível geral de incerteza determinam o investimento, que por sua vez, dada a propensão a consumir, estipula o rendimento através do multiplicador. Finalmente, o emprego é definido pelo produto. Os resultados observados irão então informar os agentes no período seguinte, que retoma o mesmo processo. Os ciclos de confiança e incerteza, relacionados com as frágeis fundações em que assentam as expectativas, ao fazerem variar o investimento, são tidos como principal causa da flutuação periódica do rendimento e do emprego.
Dentro deste modelo, nada garante que o nível de atividade económica gerado pelas dinâmicas subjacentes ao investimento em bens de capital, nomeadamente as antecipações sobre o futuro, seja compatível com o pleno emprego. Períodos prolongados de confiança deficitária resultam na existência crónica de desemprego involuntário, com a económica a não utilizar toda a capacidade instalada.
A Economia Keynesiana
Esta escola de pensamento, à qual faremos referência através do adjetivo “Keynesiano(a)”, inspirou-se no trabalho de J.M. Keynes, e procurou fazer uma grande síntese deste mesmo com a teoria marginalista. A ideia passava por conseguir justificar o intervencionismo Estatal na economia no curto prazo, sem se desfazer dos resultados neoclássicos de longo prazo, nomeadamente que as forças de mercado necessariamente restabelecem o pleno emprego assim que todos os preços forem flexíveis. A esta linhagem podemos associar nomes como Paul Samuelson, John Hicks, Robert Solow, Franco Modigliani, James Tobin, ou ainda, mais recentemente, Paul Krugman.
Partindo dos conceitos do multiplicador e da propensão a consumir, a síntese constrói a sua versão mais simples da determinação do rendimento: a cruz Keynesiana. Assumindo o curto prazo, num sentido lato, como horizonte temporal, o lado da oferta é considerado como passivo, e preços e salários estão fixos. Sendo assim, o rendimento é determinado, até à utilização total da capacidade instalada, exclusivamente pela despesa, ou seja, pela soma da procura por consumo e investimento, e os desembolsos do governo.
O primeiro depende do produto, através de uma propensão a consumir linear que contém uma componente autónoma, enquanto o segundo e o terceiro são completamente exógenos. Para efeitos dinâmicos, toda a despesa independente do rendimento é considerada como equivalente ao investimento.
Para a economia estar em equilíbrio é necessário que despesa e produção sejam iguais. Como tal, o ponto de equilíbrio é encontrado na interceção entre a reta de 45 graus, que garante a condição anterior, e a curva da despesa, como se pode observar na figura abaixo apresentada. Qualquer aumento autónomo na despesa passa pelo processo do multiplicador, pelo que, a expansão do rendimento é sempre superior ao estímulo inicial. A única exceção a esta regra é o caso em que a economia está a produzir no seu potencial, e a despesa por e simplesmente não pode aumentar mais.
Como é possível verificar na figura acima apresentada, o nível de despesa não é necessariamente compatível com a utilização total da capacidade instalada, e, como tal, com o pleno emprego. O problema do desemprego é, fundamentalmente, um problema de insuficiência da procura.
A introdução do juro e da moeda permite determinar o investimento, que passa a depender do primeiro, que por sua vez é determinado pelo equilíbrio no mercado do segundo, e cria um canal de transmissão entre a economia nominal e a economia real. Fica assim quebrada a dicotomia clássica, que mantém que alterações na oferta de moeda apenas afetam o nível geral de preços.
O equilíbrio passa agora a determinar, simultaneamente, o rendimento e a taxa de juro. Este não irá corresponder ao pleno emprego sempre que a despesa se encontrar deprimida, ou sempre que a taxa de juro for demasiado alta. A política monetária definida pelo banco central pode estimular o investimento ao baixar o juro através de um aumento da quantidade de moeda disponível, enquanto a política fiscal adotada pelo governo é capaz de evitar uma recessão ao aumentar os gastos do setor Estatal. Estas são as bases do modelo IS-LM.
A grande síntese fica completa com a junção do mercado do trabalho ao modelo precedente. O volume de emprego passa então a ser explicitamente determinado pelo equilíbrio deste mercado, ou seja, pela igualdade entre a oferta de força laboral por parte dos trabalhadores, e a procura definida pelas empresas. Se este equilíbrio se verificar, então a economia encontra-se, por definição, em pleno emprego. Isto acontece porque cada ponto na curva da oferta de emprego corresponde ao número de indivíduos que querem trabalhar para cada nível de salário, e se este é igual ao volume procurado de emprego pelas empresas para o salário de equilíbrio, então não há desemprego involuntário, e estamos em situação de pleno emprego.
A existência de desemprego fica assim dependente de uma posição de desequilíbrio devido à rigidez dos salários, que, no curto prazo, teriam tendência a encontrar-se demasiado altos. Sendo assim, o aumento dos gastos expande a procura por trabalhadores, e restabelece o pleno emprego. A deficiência da despesa pode, por si só, ser a causa inicial do desemprego, se esta for responsável por um nível inadequado da procura no mercado do trabalho, tendo em consideração a taxa de salário vigente. No longo prazo, no entanto, os salários, e todos os outros preços, são flexíveis, pelo que regressamos, necessariamente, ao equilíbrio natural da economia.
Keynes e os Keynesianos
Começamos por notar que o fosso que separa Keynes dos Keynesianos é, primeiro que tudo, metodológico. A grande síntese elimina as considerações temporais de Keynes, privilegiando uma visão simultânea da macroeconomia. Consequentemente, o enfâse keynesiano na incerteza, nas expectativas, e nas antecipações desaparece por completo da economia Keynesiana. Isto leva a que, na determinação do juro e do investimento, o papel do sentimento geral seja suprimido, e que a perspetiva dinâmica relacionada com o ciclo económico seja deixada para trás.
Acrescenta-se a isto a modificação da natureza do multiplicador, que deixa de fazer referência à estimulação da atividade no sistema económico através do investimento em bens de capital, e passa a aplicar-se aos gastos autónomos como um todo. Ao fazer o emprego depender do equilíbrio no mercado do trabalho, a economia Keynesiana adultera a teoria das flutuações do volume de emprego de Keynes.
Todas estas diferenças puramente teóricas resultam, em última instância, em visões distintas do papel da política económica. De um lado, Keynes considera que é através do investimento público, diretamente, e do investimento privado, indiretamente, que os governos podem manter o pleno emprego, já que este depende da formação bruta de capital fixo. Só a despesa pública em investimento é que tem um efeito multiplicado no rendimento, e o ciclo económico pode ser controlado, mas o Estado não deve ambicionar ir para além do pleno emprego.
De outro, os economistas da escola Keynesiana defendem que, no curto prazo, o pleno emprego pode não ser atingido devido à rigidez dos salários nominais e à insuficiência da procura. Os gastos do sector público, sejam eles em consumo ou investimento, expandem o produto através da relação do multiplicador, e os seus efeitos no mercado do trabalho, nomeadamente no lado da procura, são capazes de restabelecer a plena utilização da capacidade instalada. O ciclo económico pode, então, ser eliminado. No entanto, no longo prazo, as forças de mercado restabelecem, necessariamente, o equilíbrio mais eficiente.
Fontes:
[1] http://www.hetwebsite.net/het/essays/keynes/onkeynes/onkeyneslogic.htm
[2] http://www.hetwebsite.net/het/schools/synthesis.htm
[3] http://www.hetwebsite.net/het/essays/keynes/hickshansen.htm
[4] http://www.hetwebsite.net/het/essays/keynes/synthesis.htm
[5] https://pt.khanacademy.org/economics-finance-domain/old-macroeconomics/income-and-expenditure-topic-old/keynesian-articles/a/the-expenditure-output-or-keynesian-cross-model-cnx
[6] https://pt.khanacademy.org/economics-finance-domain/old-macroeconomics/income-and-expenditure-topic-old/is-lm-model-tutorial/v/investment-and-real-interest-rates
Diogo Lima
Estudante de economia, com ambições de um dia ser professor de macroeconomia. Tem a mania que entende melhor que ninguém a Teoria Geral, que está a ler há 3 anos. Gosta de mandar uns soundbytes sobre política, tennis, futebol, F1 e história. É maluco por Star Wars desde que se lembra, ao ponto de ir ver o mesmo filme ao cinema mais de uma vez, independentemente da qualidade.
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