Economistas do Passado com Ideias de Futuro é uma minissérie de seis textos que serão semanalmente publicados no Metrónomo. Nesta minissérie vamos apresentar seis economistas, com teorias ou modelos económicos desenvolvidos para uma realidade diferente da atual. O que nos propomos é mostrar como estas teorias e modelos podem, ainda hoje, ser usados e aplicados à realidade presente.
Os economistas que escolhemos apresentar nas próximas seis semanas são: David Ricardo, Irving Fisher, John Maynard Keynes, Paul Samuelson, Milton Friedman e Amartya Sen.
Os textos são uma colaboração entre Tiago Bernardino, Diogo Lima e João Quelhas, outrora separados pela secretaria de professor, mas que hoje discutem frequentemente economia e politica(s). Os três partilham do interesse em macroeconomia e pensamento económico, entre outras coisas nerd.
Paul Samuelson (1915-2009)
Paul Samuelson foi o primeiro economista norte-americano a ser laureado com o Nobel em Ciências Económicas. As suas contribuições são vastas e mudaram o paradigma da economia, aproximando-a de uma ciência. A mais significativa será porventura a harmonização da teoria clássica económica do século XIX com as contribuições de John M. Keynes – a chamada síntese neoclássica. Contudo, a sua investigação também elenca contribuições em outros tópicos como a teoria do consumidor, bens públicos, comércio internacional, entre outros. Escolher apenas uma contribuição deste economista é por si só um desafio.
Optámos por um dos resultados mais conhecidos de Teoria de Comércio Internacional e como isso pode ajudar a explicar as tendências mais recentes do populismo europeu e americano. Esta contribuição, em particular, data de 1941, num artigo conjunto com Wolfgang Stolper publicado na Review of Economic Studies, que relaciona preços e salários num contexto de trocas internacionais. Em linha com a forma tradicional de apresentar este resultado, imagine-se duas economias que fazem trocas comerciais entre si e que produzem dois bens. Estes dois bens são produzidos recorrendo a dois recursos diferentes, para exemplificar trabalho e capital, sendo que um dos bens, para ser produzido recorre a uma maior percentagem de trabalho (sapatos) e o outro bem a uma maior percentagem de capital (computadores). Dado este contexto (muitas vezes chamado de uma Economia 2 x 2 x 2), se o preço do bem que necessita de mais força de trabalho aumenta, então a remuneração do trabalho, os salários, irão aumentar em relação à remuneração do capital, as rendas. De forma mais simples, o rácio salários-rendas irá aumentar. Este resultado ficaria conhecido na ciência económica como o Stolper-Samuelson Theorem.
Nesta altura, será interessante perceber a importância deste resultado. Com este teorema, Samuelson e Stolper conseguem estabelecer uma relação direta entre o preço de um bem e os preços dos respectivos recursos necessários para a sua produção. Este resultado é derivado no contexto de comércio internacional e permite perceber os micro efeitos da abertura das economias a trocas internacionais. Aquando da abertura de uma economia, os preços dos bens tipicamente sofrem alterações, dado que há países mais produtivos em certas indústrias. Desta forma, as remunerações dos fatores produtivos, ou seja, os salários e as rendas, poderão também sofrer alterações, havendo grupos que ficam diretamente prejudicados e outros que beneficiam da liberalização das trocas.
No final do ano de 2001, a China completou a sua adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC). A OMC é uma organização internacional cujo maior objetivo é a liberalização total do comércio internacional, isto é promover o comércio livre através da eliminação das políticas protecionistas que os países impõem. No início do século, a China era caracterizada pelos seus salários baixos (cerca de 1 100 € anuais o que contrasta com os cerca de 30.000€ anuais auferidos nos Estados Unidos da América) e pela produção de bens intensivos em mão-de-obra, ao mesmo tempo que tinha uma economia relativamente fechada ao Resto do Mundo.
Ora, a entrada da China na OMC corresponde exatamente ao choque de abertura de uma economia ao exterior. A sua adesão à OMC levou ao estabelecimento de parcerias comerciais com a Europa e América do Norte o que levou a que os países ocidentais fossem inundados de bens intensivos em trabalho e que o preço destes bens diminuísse. Assim, os salários dos trabalhadores europeus sofreram uma redução em termos relativos, em particular os salários dos trabalhadores menos qualificados. Quer isto dizer, em termos mais simples, que a desigualdade de rendimentos nos países europeus aumenta, com os trabalhadores menos qualificados a receberem menos em comparação com trabalhadores mais qualificados, e com detentores de capital que vêem as suas rendas a aumentar.
Esta é uma das causas do crescimento das tendências populistas nos últimos anos, que aconteceu pela Europa e Estados Unidos, paradoxalmente ilustrado em dois candidatos de opostos ideológicos, mas na mesma página em relação a medidas protecionistas: Donald J. Trump e Bernie Sanders. Há um grupo significativo da população que está ostracizado em termos salariais em relação aos restantes, ou seja mais distante em termos sociais da restante população. Esta teoria económica, com mais de 75 anos, dá-nos uma causa para o aumento da desigualdade – um dos fenómenos socioeconómicos mais salientes nos últimos 20 anos, e cujas consequências políticas começam a surgir nas sociedades democráticas.
Fontes:
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- Stolper, Wolfgang F., and Paul A. Samuelson. “Protection and real wages.” The Review of Economic Studies 9.1 (1941): 58-73.
- Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, and Jerry R. Green. Microeconomic theory. Vol. 1. Chapter 15. New York: Oxford university press, 1995.
- Kishtainy, Niall. A little history of economics. Chapter 27 Yale University Press, 2017.
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