Economistas do Passado com Ideias de Futuro é uma minissérie de seis textos que serão semanalmente publicados no Metrónomo. Nesta minissérie vamos apresentar seis economistas, com teorias ou modelos económicos desenvolvidos para uma realidade diferente da atual. O que nos propomos é mostrar como estas teorias e modelos podem, ainda hoje, ser usados e aplicados à realidade presente.
Os economistas que escolhemos apresentar nas próximas seis semanas são: David Ricardo, Irving Fisher, John Maynard Keynes, Paul Samuelson, Milton Friedman e Amartya Sen.
Os textos são uma colaboração entre Tiago Bernardino, Diogo Lima e João Quelhas, outrora separados pela secretaria de professor, mas que hoje discutem frequentemente economia e politica(s). Os três partilham do interesse em macroeconomia e pensamento económico, entre outras coisas nerd.
Irving Fisher (1867-1947)
Irving Fisher foi um dos mais conceituados economistas americanos da primeira metade do século XX, sendo inclusivamente reconhecido como a primeira “celebridade” dentro da área.
Na sua tese de doutoramento Fisher desenvolveu um sistema de “equilíbrio geral” e contribuiu para a teoria da taxa de juro e do investimento. A chamada “equação de Fisher” define a taxa de juro real como sendo aproximadamente o juro nominal subtraído da taxa de inflação. Fisher também ressuscitou a “teoria quantitativa da moeda”, propondo que esta fosse representada pela equação: M * V = P * T (M é a quantidade de moeda; V é a velocidade de circulação; P é o nível geral de preços; T é a quantidade de transações).
Em 1929, poucos dias antes do crash de Wall Street, Fisher afirmou que os preços das ações tinham atingido um novo “plateau” permanente, e não estariam de todo inflacionados. Após estas declarações, o americano viveu os restantes anos de vida desacreditado como economista, sendo que as suas teorias só voltaram a ser relevantes na década de 80.
Booms and Depressions: Some First Principles foi publicado em 1932, e contém a primeira articulação da teoria de “deflação de dívida”. No ano seguinte, aparece na Econometrica um artigo de Irving Fisher, no qual o economista combina as suas contribuições anteriores com a da deflação de dívida, articulando uma teoria completa dos ciclos económicos.
Fisher desenvolve uma distinção iluminadora entre: o crescimento, ou as tendências económicas, que são estáveis; os distúrbios aleatórios, que não são estáveis; as tendências cíclicas, que não são estáveis, mas são estavelmente repetitivas. Não existe, portanto, um ciclo económico único, mas sim uma combinação de forças cíclicas e não-cíclicas que se afetam mutuamente e ocorrem simultaneamente. No entanto, Fisher pretende isolar as tendências cíclicas estavelmente repetitivas, para estudar as origens e causas das “grandes depressões”.
Embora a teoria económica represente, normalmente, o sistema como estando num permanente equilíbrio geral, para onde as variáveis tendem a regressar após distúrbios, Fisher afasta-se desta tradição, afirmando que, empiricamente, a economia se situa sempre acima ou abaixo do dito “equilíbrio ideal”, oscilando à volta deste. No entanto, se os distúrbios forem fortes o suficiente, a economia pode-se afastar tanto de um equilíbrio estável, que deixa de lá puder regressar.
Rejeitando a sobreprodução, o subconsumo, ou a especulação/confiança excessiva, Fisher apresenta como variáveis explicativas destas oscilações, que levam à instabilidade, o superendividamento seguido de um processo de deflação. Neste prisma, todos os outros problemas identificados são meros subordinados do nível demasiado alto de dívida e da deflação, não se verificando sem a combinação destes dois fatores centrais.
O mecanismo da deflação da dívida pode ser resumido da seguinte maneira:
- Começamos com um sistema onde emergem novas oportunidades de “investimento fácil” (Fisher utiliza a expressão “easy money”), que levam a grandes endividamentos para serem aproveitadas pelos agentes económicos;
- Assim que a dívida chegar a níveis incomportáveis, os devedores são forçados a liquidá-la, fazendo descer a velocidade da moeda, resultando em pressões deflacionárias sobre o nível geral de preços, que tende então a descer;
- Se este último baixar mais rápido do que a dívida em termos nominais é liquidada, então a dívida real (definida como o quociente entre a dívida nominal e o nível de preços vigente) aumenta, tal como o “fardo” dos devedores.
- A liquidação derrota-se a si própria, alimentando a depressão, que piora até que não haja mais dívidas por liquidar.
Fisher apresenta, como alternativa à bancarrota generalizada resultando de uma abordagem laissez-faire, a inflação dos preços, de modo a quebrar a espiral da deflação da dívida. A manutenção de um nível de preços estável é também o medicamento receitado para prevenir depressões do foro económico.
Embora tenha sido largamente ignorada aquando da sua aparição inicial, a teoria de Irving Fisher reapareceu no final do século XX, pela mão de Hyman Minsky, na sua hipótese da “instabilidade financeira”, e por Ben Bernanke, presidente da Federal Reserve entre 2006 e 2014.
Bernanke presidiu o banco central americano durante a grande recessão de 2007-2008, durante a qual baixou a taxa de juro para 0%, numa tentativa de expandir a oferta monetária. Esta ação evitou a aparição de tendências deflacionárias, que, combinada com os altos níveis de endividamento que a economia americana apresentava na época, resultaria muito provavelmente na espiral de deflação da dívida de Fisher. Isto permitiu que a crise dos “subprime” se tornasse apenas numa “grande recessão”, e não numa “grande depressão”, fazendo da teoria de Irving Fisher, mais relevante do que nunca.
Fontes:
-
- Fisher, I. 1933. “The debt-deflation theory of Great Depressions”. Econometrica. Volume 1. Issue 4. Pages 337-357. https://fraser.stlouisfed.org/files/docs/meltzer/fisdeb33.pdf
- Fisher, I. 1932. Booms and Depressions: Some First Principles. FRASER. St. Louis Fed. https://fraser.stlouisfed.org/files/docs/publications/books/booms_fisher.pdf
- Fonseca, Gonçalo L. n.d. “Irving Fisher”, History of Economic Thought Website. Accessed February 5, 2021. http://www.hetwebsite.net/het/profiles/fisher.htm
- Wikipedia contributors. (2021, January 23). Irving Fisher. Wikipedia. https://en.wikipedia.org/wiki/Irving_Fisher
- Wikipedia contributors. (2020, October 24). Debt deflation. Wikipedia. https://en.wikipedia.org/wiki/Debt_deflation